A ciência ainda não nos provou se a loucura é ou não o mais sublime da inteligência.
Edgar Allan Poe
A loucura fascina. Seja como objeto de estudo de psicanalistas ou artistas, sociólogos e filósofos, religiosos e céticos, o tema da loucura transpassa classes sociais e discussões raciais; é um elemento comum na fala e na vida de pessoas ordinárias também.
Sua tipologia, classificação, níveis e composições foram muito bem examinadas por diversas mentes brilhantes ao longo da história. Para esse escritor, a definição que o guia é a loucura como desvio de uma normalidade elogiada, o desencaixe com uma forma social estabelecida, a ruptura com a higienização estética da vida comum.
No Brasil, em uma realidade pós colonial, marcada pela negação radical da alteridade e apego descuidado a própria condição de subdesenvolvido, aonde percebe-se a tentativa de estabelecer o “novo normal”, isto é, a intromissão e modificação de fatos históricos, a utilização das mídias sociais para “cancelar” a imagem de alguém de forma caluniosa, ou até mesmo a promoção de uma ideia absolutamente ignorada pela ciência há séculos, sobre a forma geométrica de um planeta, é vista por muitos como uma narrativa não delirante.
Essa distopia que certamente não causaria espanto ao profeta secular George Orwell, nos revela um sintoma fundamental para a compreensão de nosso tempo: o ressentimento transformado em uma prática odiosa de eliminação de questões basilares para uma cultura democrática minimamente harmoniosa.
Além desse cenário político e social confuso, estamos diante daquilo que Freud chamou de “terror”. O terror é um estado emocional de profundo desamparo em que a pessoa está diante de uma situação problema, que nem sempre possui a dimensão de sua gravidade, entretanto, desconhece as ferramentas para solucioná-lo. A pandemia do novo corona vírus instaurou o terror.
Nota-se também o aumento de uma prática igualmente perigosa e extremamente problemática, que é o crescimento de pseudo profissionais que se aventuram a resolver questões da mente humana com soluções rápidas e fáceis, os famosos coachs.
Os coachs, aqui me reservo a analisar aqueles que se estabelecem como especialistas na área da saúde mental, são o resultado do que há de pior na pós modernidade, explico. Eles são a junção de pessoas interessadas em fórmulas mágicas e cursos rápidos para a solução de problemas complexos, denotando uma psique bastante infantilizada, com uma retórica preocupada em alienar o indivíduo em uma narrativa marginalizada e sem comprovação teórica cientifica, a respeito da relação de si e com o outro.
Ora, diante desse cenário cada vez mais crescente dentro dos nossos Brasis, onde tradição e modernidade se chocam ferozmente, não há sobrevivente sem sequelas. A figura do louco aqui emerge como aquele que consegue se descolonizar dessa irrealidade triste, parafraseando o dramaturgo alemão Bertolt Brecht, de ter que defender o óbvio.
Talvez, a luz dessa exposição grosseira, enlouquecer é uma tentativa de curar uma realidade adoentada.
Pois, não há como não se indignar ou assustar com o desmantelamento da verdade, a despreocupação com a ofensa e agressão a profissionais formados, a apatia de uma Educação, para além de um projeto de fracasso como apontou Darcy Ribeiro, que é a principal ideologia de um governo protofascista. A deseducação é a antena, que capta e repassa, uma das principais bandeiras dessa política de Estado: ignorância é força.
Desviar-se dessa normalidade, é um elogio a nossa estranheza legitima.
Procurar tecnologias capazes de restabelecer a dicção entre o fato e opinião, a luz de ciências humanas e exatas, que se esforçam para a manutenção do espaço público e digital serem plataformas de acesso, de inclusão e informação críveis, me parece uma das saídas para tempos obscuros como este.
É possível que o contemporâneo exija que a loucura seja o desvio metódico para o estabelecimento de uma nova organização sociopolítica. Que se utilize da loucura como meio para se alcançar a sanidade. A loucura enquanto pulsão de vida, que nos afasta da violência da necropolitica e dos absurdos dos discursos reacionários populares.
A ciência ainda não nos provou, a religião nos avisou e a política nos confirmou: a loucura pode ser uma forma de inteligência muito perigosa, já que nos tortura ao desvio, nos inquieta para o nosso oculto, nos movimenta em direção ao inédito.
Enlouquecemos porque somos racionais. Porque a razão é intima da loucura.
Só não se enlouquece quem já está certo de sua própria miserabilidade existencial.